quarta-feira, maio 09, 2007

Leite produzido em pastoreio garante sustentabilidade

O leite e derivados produzidos nos Açores, a partir de bovinos alimentados à base de pastagem, possuem mais 250 por cento de ácido linoleico conjugado - um poderoso agente que actua na prevenção do cancro. O professor da Universidade dos Açores, Oldemiro Rego, defende que chegou o momento de apostar numa campanha de marketing que informe os consumidores desta característica única. “Isto porque o leite dos Açores é um dos melhores do mundo”, garante.
Quais são as características que diferenciam o leite dos Açores?

O facto da vaca leiteira nos Açores ser alimentada à base de pastagem traz características específicas ao leite produzido na Região e aos derivados, quer ao queijo, como à manteiga. O mesmo acontece no caso da carne. Existem várias características que diferenciam esses produtos, que têm que ver, essencialmente, com a composição a nível dos ácidos gordos. A nível do metabolismo do colesterol, existem os ácidos gordos hipercolesterolémicos e hipocolesterolémicos. Estes últimos têm efeitos benéficos. Quando comparamos o nosso leite com o produzido em condições intensivas, com silagens e suplementos, os valores deste último tipo de ácido são muito superiores. Isto é importante, visto que os Açores e a Nova Zelândia são as únicas regiões que mantêm vacas em pastagem durante todo o ano. Existem países da Europa que o fazem sazonalmente, como a Irlanda ou a Holanda, mas, durante o Inverno, os animais têm de ser mantidos em estábulos.

Na prática, de que benefícios estamos a falar?

A alimentação dos bovinos à base de pastagem diminui cerca de 30 a 40 por cento dos ácidos gordos saturados, que são prejudiciais, e aumenta de 30 a 40 por cento os ácidos gordos insaturados. Além disso, o ácido linoleico conjugado aumenta em 250 por cento, duas vezes e meia, bem como o ómega 3. Na prática, um dos efeitos benéficos mais importantes é a prevenção do cancro. Isto é algo que se encontra amplamente estudado em modelos animais e em células humanas cancerígenas cultivadas “in vitro”. Na minha opinião, estas características do nosso leite e derivados, bem como da carne, diferenciam esses produtos positivamente em relação aos outros que se encontram no mercado. É uma mais-valia para os produtores e para a indústria, que pode ter impacte em toda a cadeia do leite na Região.

Estas características “anti-cancerígenas” são específicas das nossas pastagens, ou podem ser encontradas em outras partes do globo?

São efeitos que se fazem sentir em todos os sítios onde se criam bovinos à base de pastagem. A nossa grande vantagem é sermos uma das duas regiões do mundo - a outra é a Nova Zelândia - que utiliza o sistema de pastoreio durante todo o ano. Isto porque temos um clima único. Nos outros países, que apenas utilizam a alimentação à base de pastagem durante o período Primavera/Verão, os níveis de ácido linoleico conjugado variam, descendo drasticamente no Inverno. Nos Açores, temos a possibilidade de lançar um produto uniforme no mercado, durante todo o ano. Além disso, pode-se dizer que as únicas fontes existentes na dieta humana para obter este tipo de ácido são o leite, derivados e carne de ruminantes, no nosso caso com especial expressão para os bovinos. Apostar forte no marketing “É preciso levar a informação em massa ao consumidor”.

Numa altura em que se lança a carne de Identificação Geográfica Protegida (IGP) dos Açores e se debate a gestão da “imagem de marca” de produtos como o leite, esta informação poderia ser valorizada a nível do marketing…

É essa a minha perspectiva. Só existe uma forma de valorizar esta informação: é levá-la até ao consumidor, em massa. Por parte da Universidade dos Açores, o trabalho de investigação está feito, existem dados concretos. Agora, cabe aos responsáveis pela fileira do leite e da carne, às associações de produtores, indústria e Governo Regional, apostarem numa campanha de marketing bem-feita e com um bom alcance. Tenho a certeza de que uma iniciativa como essa teria resultados económicos. Existem, pelo menos, nichos de mercado que, devidamente informados, estão disponíveis para escolher o leite dos Açores em detrimento dos outros e, até, a pagar mais por isso. Agora, é preciso ter noções de marketing. O leite da Região aparece, actualmente, misturado com marcas “brancas” nas prateleiras dos hipermercados, sem diferenciação. Ninguém sabe que é um dos melhores leites do mundo, mais saudável e mais equilibrado em termos dietéticos.

Tendo em conta este cenário, como justifica ainda não ter sido lançada uma campanha publicitária que aposte nessas características únicas?
A informação existe e os responsáveis governamentais, indústria e produtores têm conhecimento dela. Uma campanha desta natureza, feita por técnicos competentes, tem custos elevados. A questão está em saber quem está disposto a suportá-los, porque as provas científicas existem. Do ponto de vista dos produtores, embora estes sejam os mais directamente beneficiados, tenho sérias dúvidas de que exista poder económico para levar um projecto como este em diante. Já da parte da indústria, esse poder existe, mas parece-me que esse sector não está muito sensibilizado, por razões que desconheço. Resta o Governo Regional. É uma questão destas três entidades chave se moveram nesse sentido.


Existem condições, nos Açores, para se apostar na exportação de leite, carne e derivados a produzidos com bovinos criados em pastoreio?

Não é uma questão de criar condições - é preciso que se perceba isso - mas de valorizar aquilo que já existe. Já se criam vacas em pastoreio e os estudos realizados pela Universidade dos Açores foram feitos com base nas condições actuais. Além disso, a pastagem é o alimento mais barato que existe, torna o custo de produção muito mais leve. Trata-se apenas de dar continuidade a uma tradição que já é ancestral, que nasce do nosso clima único, suave e húmido, ideal para as pastagens, e de valorizar as características de saúde, qualidade e sabor dos nossos produtos.

A realizar essa campanha de marketing, qual seria o caminho?

Os nichos de mercado ou a comercialização em massa? Existem condições para seguir os dois rumos. Pode-se apostar nos nichos de mercado, num consumidor com mais poder de compra, e aumentar o preço ao produto, colocando-o no mercado em menor quantidade. Mas também se pode massificar a comercialização, com um preço moderado, mas maior número de vendas. É, também, preciso apostar nas questões da higiene e do sabor, que já estão, em grande parte ultrapassadas. Todas as opções são válidas, mas uma coisa é necessária: massificar a informação. É esse o principal caminho que tem de ser percorrido.

(in Diário Insular)