domingo, abril 20, 2008

Pedreira destroi espécies protegidas

Cinco camiões carregados de pedra cruzam-se com o grupo de cerca de uma dezena de pessoas, nos poucos minutos que demoram a percorrer a pé o trajecto entre os automóveis e uma alegada pedreira ilegal, na zona dos Biscoitos. Ao longo do caminho de terra batida, é visível a destruição de diversas espécies endémicas protegidas, atropeladas pelas viaturas pesadas que todos os dias fazem aquele percurso. Mas a imagem pior escondia-se mais à frente. A visita de estudo, na qual participam pessoas ligadas à área do ambiente, representantes de associações ambientalistas e o BE/Açores, foi organizada por Adalberto Couto, licenciado em Gestão e Conservação da Natureza, e Mestrando também em Gestão e Conservação da Natureza do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, para denunciar uma situação que o “entristece”: a alegada extracção ilegal de inertes pelo Consórcio Mota-Engil, Zagope e Marques, SA, responsável pela obra da via-rápida Vitorino Nemésio. “Trata-se de uma extracção ilegal, sem qualquer licença e, como tal, sem qualquer estudo de impacto ambiental positivo ou negativo”, afirma, sublinhando que, sendo assim, “as pessoas fazem o que lhes apetece, sem a preocupação com a recuperação paisagística e com os cuidados a ter com o ambiente”. “É uma exploração selvagem”, acrescenta, tendo como ruído de fundo o roncar do motor de três camiões e de dois caterpillars, que escavam incessantemente a paisagem de pedra emoldurada pelo verde de diversas espécies protegidas. A Erica scoparia ssp. azorica (Urse), a Laurus azorica (Louro da Terra), a Juniperus brevifolia (Cedro do Mato) e a Myrsine retusa (Tamujo) são algumas das plantas endémicas alegadamente em perigo. “Existem aqui algumas espécies endémicas com estatuto de protecção, algumas nativas, e nada disso está a ser tido em conta”, refere. Depois de alertar diversas entidades com competência na matéria e de fazer uma queixa na GNR, sem qualquer sucesso, Adalberto Couto decidiu denunciar publicamente a situação. “Fui alertando algumas pessoas que poderiam ter alguma influência no sentido de parar a obra, fiz uma denúncia na GNR, pedi que me acompanhassem, mostrei o local, mas nada se passou e, como podem ver, as máquinas continuam a trabalhar a um ritmo deveras preocupante”, conta. “Não queria que as coisas tomassem estas proporções, mas visto que a obra continua decidi alertar os órgãos de comunicação social”, continua. Para além desta visita de estudo, Adalberto Couto decidiu promover também um abaixo-assinado dirigido a diversas entidades ligadas à área ambiental, exigindo a suspensão imediata da alegada extracção ilegal de inertes. “Estamos a recolher algumas assinaturas, para demonstrar a nossa preocupação e fazer avançar o processo de paragem das máquinas”, adianta. Sem esconder a tristeza no olhar perante o cenário de destruição à sua volta, Adalberto Couto admite, no entanto, não saber o que fazer mais para parar aquilo que considera ser um “crime ambiental”. “A partir daqui só se convocar uma manifestação e bloquear a entrada e saída dos camiões”, diz, com um visível sentimento de impotência. Contactado por DI, António Cardoso, responsável pela obra da via-rápida, preferiu não prestar declarações sobre esta matéria.

O que diz a lei

A extracção de inertes na zona dos Biscoitos pelo Consórcio Mota-Engil, Zagope e Marques, SA, responsável pela obra da via-rápida Vitorino Nemésio, viola, segundo Adalberto Couto, “todas as leis possíveis no que se refere à exploração de pedreiras”, nomeadamente o Decreto Lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro. Adalberto Couto acrescenta, por outro lado, que “de acordo com uma leitura conjugada da alínea 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 316/89, de 22 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 196/90, de 18 de Junho, que procedeu à publicação da Convenção de Berna, e do disposto nos avisos n.º 74/92, de 7 de Março, e no Aviso n.º 205/95, de 8 de Agosto, são proibidas a colheita, apanha, corte ou arranque intencionais de espécies protegidas, assim como a deterioração intencional dos respectivos habitats”.

Gê-Questa apresenta queixa ao Provedor de Justiça

A Gê-Questa vai avançar com uma queixa ao Provedor de Justiça sobre a alegada extracção ilegal de inertes na zona dos Biscoitos pelo Consórcio Mota-Engil, Zagope e Marques, SA, responsável pela obra da via-rápida Vitorino Nemésio, garantiu quinta-feira o presidente da associação ambientalista terceirense. Durante uma visita de estudo ao local, Vasco Silva, doutorando do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores e Presidente da Gê-Questa, adiantou que a associação vai também alertar a secretaria regional do Ambiente e do Mar e a Câmara Municipal da Praia da Vitória para o assunto.“Esperamos que esta situação melhore, nem que seja através da sua legalização”, afirmou o responsável, defendendo que “já que estão a extrair pelo menos tomem a iniciativa de fazer depois um plano de restauro ambiental desta área, para não ficar como muitas outras da nossa ilha e do arquipélago, que se encontram completamente ao abandono, com o chão nu, o que é propício à invasão de infestantes e outras situações problemáticas”.No entender do presidente da Gê-Questa, “há claramente questões ilegais aqui, o que não acontece por falta de conhecimento das autoridades”.“Sendo uma extracção de bagacina, tem de ter um plano de pedreira, que não tem, um plano de restauro ambiental, que não tem, e um estudo de impacto ambiental, que não tem, para além de não estar a cumprir questões de segurança laboral”, enumera.“Temos conhecimento de casos em que pequenos agricultores extraem pequenas quantidades nos seus terrenos e são penalizados fortemente por isso, o que achamos bem, mas depois grandes construtoras, por qualquer razão que não percebemos muito bem, fazem-no à vista de toda a gente e não são penalizadas”, acrescenta.Vasco Silva salienta que “ a lei é feita por alguma razão, é para todos e tem de ser cumprida”.


(In Diário Insular)

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