quinta-feira, março 05, 2009

Região podia suportar custos acrescidos de alguns cursos


JORNAL da MADEIRA – Em tempo de despedida da reitoria da Universidade da Madeira, como se sente?

Pedro Telhado Pereira – Sinto-me muito bem. Ter sido reitor da UMa foi uma experiência muito positiva, apesar dos sacrifícios que implicou. Agora que cheguei ao final, fiz um levantamento das medidas que me tinha proposto a fazer e, das 70, concretizei 65.

JM – Pode apontar algumas das mais importantes?

PTP – A maneira como se fez a transição para o Processo de Bolonha, que apesar de alguns problemas, correu muito bem. O caso da residência universitária, que era algo que a Região e os nossos alunos pediam e que penso que é uma obra que fica. E um terceiro aspecto que era no sentido de termos uma pequena universidade de investigação, apostando muito na qualidade, que é um factor que determina o sucesso de uma universidade. Há mais pessoas a publicar em revistas internacionais e, por isso, o nome da Universidade da Madeira está cada vez mais reconhecido internacionalmente. Foram vitórias muito importantes para nós.

JM – Disse que também teve de fazer sacrifícios...

PTP – Para conseguirmos atingir os objectivos, foram necessários sacrifícios não só meus mas de várias pessoas que se empenharam. Muitos de nós não tivemos as férias que deveríamos ter usufruído, por termos estado a trabalhar para atingir as vertentes diferentes que uma pequena universidade exige. Os resultados compensaram. É importante nós termos garantido em algumas áreas, que os jovens tenham condições para fazerem investigação na sua universidade e também começa a aparecer conhecimento sobre a própria realidade madeirense, o que seria impossível se não tivéssemos aqui uma universidade de investigação.

JM – Esteve um mandato na reitoria e poderia ter-se recandidatado. Porque não o fez?

PTP – A lei permitia que eu me recandidatasse. Mas, eu preferia o sistema anterior, em que todo o estabelecimento de ensino superior participava na decisão sobre o reitor. Neste momento, os funcionários não docentes não podem participar, o que é extremamente injusto.

JM – Não concorda então com o sistema de eleição do reitor por voto secreto?

PTP – Não acho que a solução para a escolha do reitor de uma universidade seja por voto secreto, porque pode criar abertura para a entrada nas reitorias de pessoas com menos qualidade do que outras. Teria de ser um processo “à americana”, em que há um comité, um “search comity”, que procura o melhor reitor. Depois, a decisão tem de ser justificada. O que pode acontecer, no sistema de voto secreto, é que haja candidatos que, em princípio, seriam muito melhores, mas que acabam por serem preteridos por outros de menor qualidade, por razões completamente exteriores às da qualidade.

JM – Quais são, a seu ver, as qualificações necessárias ao cargo de reitor?

PTP – O reitor tem de ser alguém que tenha feito investigação, desenvolvido projectos e que saiba das dificuldades inerentes a esse trabalho, e que tenha obra publicada. Novamente, poderíamos ir para o sistema “à americana” em que os reitores são profissionais no que fazem, mas com uma mentalidade completamente diferente e não seriam concerteza este tipo de professores que nós temos, devido à actual evolução da academia em Portugal, que são pessoas que saem da vida académica para serem gestores.

JM – Os candidatos à reitoria da UMa cumprem os requisitos que defende?

PTP – Eu penso que, para professores catedráticos em topo de carreira, ser reitor é muito pouco atractivo, porque as suas responsabilidades aumentam muito, com 400 funcionários sensivelmente ao seu encargo. Estamos desde o dia 1 de Janeiro até Dezembro sempre a pensar como é que vamos arranjar dinheiro para pagar os vencimentos, por exemplo. Eu imaginaria que os professores catedráticos seriam os menos receptivos a serem reitores. Por isso, surpreendeu-me haver professores no topo de carreiras, até de fora da Região, a quererem se candidatar, o que significa que a Universidade da Madeira é muito mais atractiva do que a própria imagem que a Madeira tem da sua universidade. Mas, como economista que sou, o melhor para mostrar ao Governo central que um cargo é mal remunerado, seria não aparecerem candidatos. O governo teria de resolver o problema de alguma maneira.

JM – Dos quatro candidatos (Carlos Fino, Castanheira da Costa, Isabel Cabrita e Manuel Teixeira), qual o que, na sua opinião, corresponde melhor ao perfil de reitor?

PTP – Não tenho preferências pelas pessoas. O reitor não vota. O perfil ideal seria alguém com um currículo de investigação, porque temos de defender uma universidade de investigação, ainda mais numa Região com descontinuidade territorial e com problemáticas muito próprias. Quem vier para o cargo, tem de arregaçar as mangas e trabalhar. Devo dizer que qualquer um deles seria uma boa opção.

JM – Para além de não concordar com a eleição do reitor por voto secreto, que outros motivos teve para não se recandidatar?

PTP – Também por causa do estrangulamento financeiro das universidades públicas. Depois de uma luta de três anos, conseguimos ter um reforço orçamental e estamos, nesta altura, tão mal como as outras universidades, o que já foi uma vitória, porque poderíamos estar muito pior. A grande maioria delas, incluindo a da Madeira, vai estar novamente com problemas graves de financiamento. Num ponto em que as universidades públicas estão a ser postas em causa, não me parece que sejam os reitores que devem estar a fazer “a guerra” à política de sub-financiamento. Devem ser os professores e as instituições, apoiando os seus reitores.

JM – A seu ver, as universidades deviam ser mais activas nos protestos?

PTP – Sem dúvida. Estamos com um problema que surgiu de uma solução inteligente do ministro da tutela, que foi pôr as universidades todas a lutarem por um bolo financeiro, o que faz que a solidariedade entre instituições seja muito pequena. Nós temos de definir que estamos no caminho da qualidade, o que exige muito trabalho e sacrifício. Dou o exemplo de um clube de futebol que luta pela primeira divisão, em que os jogadores têm de se sacrificar e de treinar muito. Realmente, há ainda pessoas nas universidades convencidas que se consegue chegar à primeira divisão sem trabalho e sacrifício. Para mim, isso é impossível. Assim, e voltando aos meus motivos para não me recandidatar, penso que, pessoalmente ganho muito mais e a universidade também, se estiver do lado dos que estão a lutar pela investigação, do que ser um reitor, que fica muito limitado. Sendo um investigador, prefiro ser um professor na minha área do que ter de estar em conflitos inerentes ao cargo de reitor e de ter de me abster devido à função desempenhada. Enquanto professor catedrático na UMa, serei muito crítico.

JM – Ou seja, continuaremos a ouvir falar de si, será uma voz activa na universidade?

PTP – Sim, serei uma voz activa. Os professores catedráticos têm um papel fundamental a fazer numa altura de possível transição nas carreiras universitárias. Não digo que o problema é todo da má legislação sobre as carreiras. As universidades foram muito culpadas. Não temos mais qualidade porque não exigimos nem demos as condições para exigir, e aí temos de ser responsabilizados. As universidades portuguesas têm muita capacidade, mas entristece-me ver, por exemplo na minha área, que dos dez melhores economistas portugueses, sete estejam em universidades estrangeiras. Algo está errado.

JM – Por outro lado, e num cenário de crise financeira nacional, que afecta também o Ensino Superior, onde se situa a UMa?

PTP – A situação das universidades públicas é anterior à crise. Em 2007, começámos a ter de pagar a Caixa Geral de Aposentações, que representa cerca de 11 por cento da nossa massa salarial. No caso da UMa significa um milhão e 300 mil euros por ano, sem termos tido a transferência correspondente do Estado. As universidades conseguiram respeitar os encargos através dos saldos acumulados que tinham. Este ano, já não terão essa salvaguarda. O que vai acontecer com a maioria das universidades será que, na altura em que tivermos de pagar meses extras, como o subsídio de férias, por exemplo, terão de pedir reforços orçamentais.Parece-me que os reitores estarão numa situação injusta em que terão de estar a pedir dinheiro para pagar salários, numa altura em que existem problemas sociais muito graves que é preciso atender. Ou seja, os professores universitários não são os mais desfavorecidos da sociedade e todo o meio envolvente poderá achar que estará a ser dado dinheiro a pessoas privilegiadas, mas as universidades não terão dinheiro para pagar os salários. Será curioso ver como será resolvida essa situação. O que eu temo é que haja alguma tentação de se utilizar dinheiro de projectos para tentar pagar problemas de curso prazo.

JM – Tem esperanças que o Governo esteja sensível ao vosso problema?

PTP – Não sei se se trata de sensibilidade. Há um problema que é preciso resolver. Estamos a dividir um bolo e não sabemos qual deveria ser o seu tamanho adequado. O que sabemos é que tem estado sempre a diminuir de ano para ano. Era tempo do Governo explicar aos reitores como é que acha que eles vão conseguir fazer milagres. Em época de crise e numa região autónoma como a Madeira, é pracicamente impossível arranjar cerca de um milhão de euros. Não há meio envolvente que nos permita conseguir esses montantes. Da parte das universidades, tem sido uma questão de apagar fogos.

JM – Como economista, que soluções é que poderiam ser criadas para resolver os problemas das universidades?

PTP – A UMa e muitas outras universidades só têm problemas nesta altura, porque têm, de repente, de pagar a Caixa Geral de Aposentações. Na própria Universidade, nós conseguimos pagar cerca de metade. É impossível pagarmos tudo sem pôr em causa o bom funcionamento da instituição. Poderíamos tentar – uma solução poderia ser essa – que caso a caso, o Governo explicasse as contas que temos e as necessidades de contratação existentes. Somos instituições públicas e o Governo não paga os salários de funcionários públicos e têm de ser os reitores a terem de se preocupar com o pagamento dos salários, que correspondem a cerca de 90 por cento das despesas de uma universidade. Pode-se apelar, e algumas universidades têm tido algum sucesso, ao apoio de algumas instituições do meio envolvente que é algo para o qual podemos trabalhar, mas não para os números que estamos a referir. Há ainda a solução da prestação de serviços pelas universidades à sociedade.

JM – No caso concreto da UMa e da sua condição de dupla tutela, apesar do Governo Regional deter apenas poderes administrativos, o que é que este poderia fazer no sentido de ajudar na vertente financeira?

PTP – Penso que na altura da elaboração do regime jurídico, poderia-se ter resolvido o problema. Teria sido o momento ideal. Senti que o Governo da República não estava muito receptivo e também a oposição não fez grande cavalo de batalha. Naquela altura, cheguei a ir ao Parlamento nacional, expor a nossa posição, que era diferente da posição da Universidade dos Açores. Mas não se resolveu o problema, que é de financiamento. A intervenção do Estado nas universidades é muito limitada, acontece em tempo de financiamentos e de abertura de cursos. Neste último aspecto, há regras que não estão muito vocacionadas para as universidades insulares. Temos muito menos alunos do que as outras universidades e, como tal, o número mínimo de alunos para um curso financiado é muito alto para nós. Isso significa que para baixarmos esse montante, também teríamos de ter financiamento não baseado no “per capita”. Aí, e se houvesse uma tutela partilhada, podia ser que o Governo Regional chegasse à conclusão que esses cursos deviam ser ministrados na Região e suportasse o diferencial de custo acrescido nos cursos com poucas pessoas. Nesse caso, e não havendo consideração pelo Governo da República pelos custos acrescidos da descontinuidade territorial, e se o Governo Regional tivesse uma tutela partilhada poderia ser mais sensível a essa questão. Temos o problema da dimensão, porque somos financiados através de uma fórmula baseada no número de alunos, o que não é o mesmo que ter 20 cursos para 500 alunos, ou dois cursos e 500 vagas. Acho que nesse aspecto e em termos de proximidade, poderia vir a ser vantajoso. Não se aproveitou o regime jurídico, não sei quando teremos outra oportunidade, mas espero que haja, da parte dos dois Governos, um interesse para comprender as especificidades das universidades das Regiões insulares. É nesse sentido que fizemos uma rede com as universidades ultraperiféricas, que é algo que deve ficar e que pode mostrar a diferença do financiamento desses estabelecimentos em relação aos portugueses.

JM – E esse financiamento é muito diferente do português?

PTP – É muito diferente. Há outras fórmulas de financiamento, com melhores resultados para as universidades. Por exemplo, as universidades das Canárias também são financiadas pelo governo canário, como tal, é dado muito mais apoio por aluno. Poderíamos ver esse exemplo para a Madeira.

JM - Que conselhos deixa ao seu sucessor?

PTP – O grande conselho que posso dar é acreditar na capacidade das pessoas que estão na Universidade da Madeira. Dando os incentivos certos e as capacidades para as pessoas produzirem, penso que a UMa pode se tornar, ao nível das universidades da nossa dimensão, uma referência, porque nós temos um grande trunfo, que é um mercado ávido de jovens que querem vir para a universidade e que aceitam as modificações necessárias, como veio comprovar a passagem para Bolonha. Os alunos da UMa querem ter qualidade e trabalhar. Aconselho que se insista sempre na tónica da qualidade.

(In Paula Abreu -Jornal da Madeira)

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